Sobre pesquisa e inovação em sustentabilidade: barraginhas e cratilia

Keypoint
Design de águas de Geoff Lawton: a partir dos pontos de acumulação do escorrimento superficial da água de chuva e dos sedimentos, podem-se criar barragens e com elas irrigar naturalmente a paisagem

Quero partilhar hoje duas inovações e inovadores com os quais me deparei na última SIT – Semana de Integração Tecnológica da Embrapa Milho e Sorgo. Antes comento um pouco sobre a vida de designer de sustentabilidade, a profissão que me escolheu e acolheu, que nos leva a participar de encontros como esse, com o tema inovação e tecnologia.

Inspirada por Buckminster Fuller, trago reflexões sobre a margem. O que é ser marginal? A margem é o ponto de contato entre as bordas de um sistema. No Universo, seria o final do “Cheio” e o início do “Nada”. Na Natureza, é o ponto de maior biodiversidade, pois concentra as espécies visitantes de um e de outro ecossistema, além de espécies próprias adaptadas.

Permacultura marginal e inovação
Ecótono: encontro entre ecossistemas. Tem informações dos dois sistemas mais as informações próprias: triplamente rico. “Use as bordas e valorize o marginal”.

O permacultor e a permacultora são frequentemente pessoas que procuram viver nessas situações e como diz David Holmgren “não pense que está no caminho certo só porque ele é o mais batido”. É preciso um bocado de ousadia, mas também é uma labuta que nos faz passar por muito erros. É preciso ser um cientista da prática.

Por causa desse impulso inerente e acolhendo um convite do Sr. Luciano Cordoval, participamos de um encontro com a Rede do Projeto Barraginhas. Foi bom ver como existem pessoas bem intencionadas, querendo recuperar a capacidade de recarga dos nossos rios e proteger os nossos solos.

SIT Embrapa
Minha palestra para a Rede Barraginhas abordando permacultura e inovação em sustentabilidade.

Na minha opinião, essas são as duas maiores vantagens das Barraginhas. São tanques escavados no caminho das enxurradas, aonde se retem as águas que escorrem superficialmente e que iriam para o rio durante as chuvas levando consigo a camada orgânica e fértil do solo. Uma vez que você cria um conjunto de barraginhas na paisagem você cria condições para esta água ser armazenada pelo subsolo, abastecendo a “caixa d´água das encostas e morros”.

A intervenção é vantajosa porque ao retirar as árvores que filtram e retem 70% das chuvas, a humanidade alterou o ciclo da água. Chega época de seca e a “caixa d´água das encostas” está vazia porque não há  árvores recobrindo e favorecendo a permanência da água no solo, no ar (pela respiração das plantas) e nos aquíferos subterrâneos. Tudo está interligado, não é mesmo?

Quando alguém te disser que não existe “mudanças climáticas”, você pode responder que uma coisa é inegável: existe escassez hídrica e a água vale mais que ouro quando chega a época de pouca chuva e ninguém se lembrou de armazena-la no solo para gentilmente ir abastecendo os rios, que nessa época vão minguando. Em toda a região de Minas Gerais e quanto mais perto se chega da fronteira do semi-árido, há um desastre silencioso e inegável, que é o desaparecimento de centenas de milhares de nascentes.

A água não aumenta nem diminui no planeta, mas sua disponibilidade para o uso sim. Se você deixa ela escorrer toda pro mar na época de chuva, não pode reclamar sua falta na época de seca.

Barraginhas
Ilustração de Luciano Cordoval, um exemplo de barraginhas e canais de infiltração margeando encostas rochosas

Nos lugares aonde a devastação do Cerrado já chegou a um ponto em que a Natureza e as árvores não dão conta de se recuperar, as barraginhas surgem como uma tecnologia aliada.

O nome “barraginhas” foi dado por Luciano Cordoval, agrônomo brasileiro que popularizou o uso de tais inovações, tendo inclusive ajudado a recuperar nascentes e minadouros em cidades de Minas Gerais e Espírito Santo. Para difundir o uso das barraginhas na agricultura familiar, ele criou uma metodologia de abordagem participativa que ele diz que vai do “namoro ao casamento”, com reuniões nas comunidades que vão gradualmente construindo o entendimento sobre a questão hídrica e o papel do agricultor/a e produtor/a rural. Com isso, uma rede próspera e diversa de locais aonde a barraginha causou impactos positivos se formou no Brasil e tem se fortalecido continuamente.

Na SIT – Semana de Integração Tecnológica da Embrapa Milho e Sorgo, nosso encontro com Luciano Cordoval, pessoa que criou e difundiu o conceito e a prática das barraginhas no Brasil

Na Australia também, Yeomans criou a terminologia “keyline design” para falar da retenção de água na paisagem com canais de infiltração, que distribuem a umidade captada de um “ponto-chave” ou bacia. A determinação do local ocorre a partir da avaliação do relevo.

Keypoint
Zaytuna Farm: Design de águas de Geoff Lawton, a partir dos pontos de acumulação do escorrimento superficial da água de chuva e dos sedimentos, podem-se criar barragens e com elas irrigar naturalmente a paisagem

E como definir os pontos em que será mais fácil acumular água e sedimentos? A observação da paisagem é a chave e o sinal é a transformação do relevo de convexo, que espalha, para côncavo, que concentra.

Ponto de inflexão
A partir das curvas de nível em uma mapa é fácil achar os pontos aonde o relevo concentra umidade e sedimentos e delimitar como espalhar essa fertilidade, para irrigar o terreno, ou aumentar a infiltração da água, para recuperar nascentes. A ilustração é do livro de Ross Mars

IMPORTANTE: A barraginha vai se comportar de forma diferente dependendo de cada tipo de solo. Em latossolos, por exemplo, a infiltração será rápida. Mas, Luciano Cordoval afirma que, independente da taxa de infiltração, a barraginha é benéfica em todos os casos. Eu também acredito que sim, pois ela aumenta as possibilidades de bordas, embora eu ache que grandes intervenções criam grandes impactos, quando não são devidamente estudadas. Por isso, o planejamento das ações, conforme preconiza o Projeto Barraginhas, é feito para a economia energética, sem desperdiçar combustível e recursos. Na permacultura, para a maior eficiência, sempre avaliamos como fazer o “fechamento dos ciclos”, que significa aproveitar o resíduo e lixo gerado, transformando-os em insumos e soluções. Afinal, poluição é apenas um recurso não utilizado, já dizia Bill Mollison.

 

CRATILIA

Mais que especial, foi também nosso encontro com Walter Matrangolo, pesquisador de Agroecologia da Embrapa. Ele nos apresentou a preciosa “Cratilia”, adubo verde nativo do Brasil.

Lembrando do princípio de eficiência energética da natureza e que devemos trazer para o planejamento dos sistemas humanos. Um elemento deve cumprir pelo menos 3 funções para que nossos sistemas não consumam mais energia do que produzem. Veja que planta linda e que cumpre muitas e variadas funções:

feijão bravo
Cratilia, uma planta nativa regeneradora de áreas friáveis. No conceito da Agricultura Regenerativa, as áreas friáveis são áreas que não se regeneram com o descanso, em que a decomposição da matéria orgânica é lenta por causa da baixa umidade. Um exemplo são savanas e Cerrados com baixa capacidade de regeneração natural. Espera-se que tais paisagens quando deixadas intactas se recuperem naturalmente, mas no caso das áreas friáveis o descanso não aumenta a concentração de matéria orgânica e a biodiversidade, ou aumenta muito lentamente. Foto de Walter Matrangolo

– É uma leguminosa e como tal faz a fixação do Nitrogênio no solo através das bactérias do gênero Rizobium que começam a morar em suas raízes. Ou seja, são adubos naturais e baratos: constroem a fertilidade do solo sem o gasto energético que é importar e produzir estrume de animais ou comprar fertilizantes de origem mineral.

– Na época de sua florada, atrai uma diversidade incrível de insetos e pássaros, incluindo abelhas. E, sabemos, diversidade dá estabilidade. Pra que inseticida se você tem os predadores das pragas fazendo o controle biológico? O que é “praga” num ambiente equilibrado? Apenas parte de uma incrível rede de relações, e por isso controlada por seus predadores naturais.

– Produz biomassa para o solo. Segundo o Walter, a produção de biomassa seca é maior que a da gliricídia, o que significa uma quantidade considerável de carbono (ou palha, mulche, serapilheira) que protege os microrganismos do solo de serem torrados pelo Sol ou levados pela chuva. Esse carbono vai lentamente se decompondo, mais lentamente do que adubos ricos em Nitrogênio, garantindo assim uma compostagem/decomposição gradual desse material que vai sendo disponibilizado para as plantas conforme a necessidade delas.

– Cortada verde para cobrir o solo, disponibiliza também água. Além de sua sombra e copa de crescimento rápido, importante protetora dos microrganismos do solo que não aguentam o Sol direto.

– Produz lenha.

Feijão bravo
Cratylia Argentea ou feijão bravo em foto de Douglas Lopes. Outros nomes populares: copada, camaratuba e cipó prata. Você conhece algum outro nome desta planta? Comente!

– Produz forragem animal, com mais de 20% de proteína.

– É uma espécie perene, que rebrota após as podas e manejos. Diminui nosso trabalho como agricultores/as naturais que não teremos de ficar replantando os adubos verdes, como é o caso de outros feijões como mucuna e feijão de porco, a cada estação.

– É nativa do Brasil e sai do sistema quando é sombreada. Isso pra mim é uma vantagem no sentido de facilitar o controle de sua propagação e diminuir as críticas sobre plantas invasoras.

– É rústica. Vai bem em solos arenosos e com pouco adubo.

Sobre

Marina Utsch e Peter Cezar apresentam no Guia de Permacultura os princípios para criar sistemas eficientes e autossuficientes em energia.
Por meio da observação da Natureza é possível reverter o atual estado de degradação em que a EROI (Energia retornada em comparação com a energia investida) na extração dos minerais e combustíveis não renováveis vem baixando de 100:1 para 3:1. Estamos próximos da exaustão?
Na dúvida, o Guia de Permacultura te ajuda a se preparar para os cenários futuros.
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